Diante dos rigores da chamada lei seca no Brasil, muita gente provavelmente gostaria de estar na pele do musaranho-arborícola Ptilocercus lowii, um mamífero da Malásia de apenas 50 g cuja dieta consiste principalmente em "cerveja" -- para ser mais exato, um líquido fermentado de teor alcoólico que pode chegar a 4%, mais ou menos o que se vê na bebida humana. Pior: em uma a cada três noites, o bichinho bebe tanto que, pelos padrões humanos, deveria estar caindo de bêbado. O caso é único na natureza -- não há outros registros de consumo regular de álcool em animais que não o homem.O estranho caso do musaranho-arborícola etílico está relato na edição desta semana da revista científica americana "PNAS", uma das mais importantes do mundo. A equipe liderada pelo alemão Frank Wiens, da Universidade de Bayreuth, monitorou o bichinho, bem como outros mamíferos que visitam a palmeira Eugeissona tristis. A planta é responsável por produzir a "cerveja" em questão, um néctar abundante e disponível durante o ano inteiro.
Como ninguém paga bebida para os outros só por gentileza, a explicação mais provável é uma só: suborno. Segundo Wiens e companhia, o néctar fermentado (que a planta produz em colaboração com leveduras muito parecidas com as usadas na fabricação de cerveja ou vinho) serve para atrair animais que, mais tarde, transportarão o pólen da palmeira para outra flor. Assim, a polinização ocorre e são produzidas as sementes da planta. De fato, ao excluir experimentalmente os musaranhos-arborícolas e outros bichinhos (como esquilos) das vizinhanças da palmeira, os pesquisadores verificaram uma redução de 50% na produção de sementes.Numa única noite (os musaranhos-arborícolas são bichos noturnos), o consumo da "cerveja" de palmeira chega a acontecer durante 138 minutos, com um consumo total do equivalente a nove taças pequenas de vinho entre humanos ao longo de 12 h. No entanto, não há o menor sinal de que os bichinhos fiquem bêbados ou com cirrose, provavelmente porque seu organismo evoluiu para se adaptar às altas doses de álcool. Mais estudos da fisiologia dos musaranhos arborícolas devem trazer informações valiosas sobre como a tolerância à bebida funciona no organismo dos mamíferos.
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