Alguns meses atrás, em Dallas, Texas, Willie Campbell foi condenado por agressão com uma "arma mortal" contra policiais que o detiveram por embriaguez e desordem pública. Terminou sentenciado a 35 anos de prisão. Péssimo, você pode pensar, mas e daí? Bem, Campbell é portador de HIV e a "arma mortal" era sua saliva, que ele cuspiu no rosto dos policiais. Mas jamais houve demonstração de que o HIV pode ser transmitido por saliva, de modo que a "arma mortal" que Campbell supostamente empregou não era mais mortal que um revólver de brinquedo - e não estava nem mesmo carregada. A sentença que recebeu também reflete sua ficha policial, mas não há como negar que Campbell foi punido não só pelo que ele fez mas em função do vírus que porta. E não é o único. Em todo o mundo, portadores de HIV estão sendo sentenciados a prisão mesmo que não tenham transmitido o vírus e nunca tivessem a intenção de fazê-lo. Em Bermuda, um portador de HIV foi recentemente sentenciado a dez anos de prisão por fazer sexo sem proteção com sua namorada, ainda que ela não tenha sido contaminada. Um suíço foi condenado à prisão este ano por infectar sua namorada, ainda que ele pensasse que não era portador do HIV.Na África, que abriga cerca de dois terços dos portadores de HIV do planeta, um estatuto "modelo" financiado pelos Estados Unidos e que criminaliza a transmissão e exposição do HIV foi adotado em 11 países, e outros podem seguir esse exemplo. A lei requer que aqueles que saibam ser portadores de HIV informem "qualquer contato sexual" com antecedência. Mas o texto não define "contato sexual" (a definição inclui beijos, por exemplo?).
A versão da lei adotada em Serra Leoa inclui especificamente as mulheres grávidas. Elas podem terminar detidas caso "não tomem todas as medidas e precauções razoáveis para impedir que seus bebês sejam contagiados".Assim, o que justifica esse esforço para lidar com o HIV por meio de leis criminais? O objetivo é deter a expansão do rimo de infecção e de proteger as pessoas mais vulneráveis a elas - especialmente as mulheres, que muitas vezes caem vítimas de homens descuidados ou inescrupulosos - e de encorajar as pessoas que se sabem portadoras do vírus a revelar sua condição. Boas intenções, mas uma má política. Estudos e mais de duas décadas de experiência demonstram que transformar a exposição e a transmissão acidental em crime não alteram o comportamento sexual ou contém a difusão do HIV. Tratar esse problema como crime é um substituto ineficaz para medidas que realmente protegem as pessoas em risco de contrair o HIV: prevenção efetiva, proteção contra a discriminação, esforços para reduzir o estigma da Aids, maior acesso a testes e, acima de tudo, tratamento para as pessoas que estejam morrendo da doença. Longe de proteger as mulheres, a criminalização as coloca em perigo maior. Na África, a maior parte das pessoas se sabem portadoras do HIV são mulheres, porque a maioria dos exames acontece em locais de exame pré-natal. O resultado é que a maior parte das pessoas que serão processadas por se saberem - ou deverem se saber - portadoras do HIV serão mulheres. As circunstâncias materiais em que muitas mulheres se encontram - especialmente na África - dificulta que negociem sexo seguro ou discutam o HIV. As circunstâncias incluem subordinação social, dependência econômica e sistemas tradicionais de herança e propriedade que as tornam mais dependentes dos homens. A criminalização, assim, as tornará mais, e não menos, vulneráveis ao HIV. Além disso, a criminalização é muitas vezes aplicada de maneira injusta e seletiva. Processos e leis tomam por alvo grupos já vulneráveis, como prostitutas, homens que fazem sexo com homens e, em países europeus, homens negros. A criminalização também culpa uma pessoa, em lugar de responsabilizar duas. Em termos realistas, o risco de contrair o HIV (ou qualquer doença sexualmente transmitida) agora deve ser considerado como um fato inescapável do sexo. Não podemos fingir que o risco seja introduzido em um encontro que de outra forma seria seguro porque uma pessoa sabe ou deveria saber que porta o HIV. A responsabilidade concreta por práticas sexuais mais seguras cabe a todos.
Trata-se de leis cuja aplicação é difícil e degradante. Nos casos em que o sexo envolve dois adultos responsáveis, o aparato da prova e a metodologia de processo degrada as duas partes e desmoraliza a lei. Além disso, os conceitos legais de negligência ou descuido são incoerentes no reino do comportamento sexual. Sabemos que "pessoas razoáveis" muitas vezes fazem sexo com parceiros cuja história sexual desconhecem, a despeito dos riscos notórios ¿e é por isso que temos uma epidemia de HIV e que as intervenções internacionais para reduzir o sexo inseguro são tão importantes. A criminalização reforça o estigma e pode impedir testes. Por que uma mulher de Serra Leoa faria um teste de HIV se sabe que, caso o resultado seja positiva, poderá sofrer sentença de até sete anos de prisão caso engravide, ou da próxima vez que venha a fazer sexo. Essas leis colocam o diagnóstico, tratamento, assistência e apoio ainda mais longe do alcance.Ativistas dos direitos humanos e da saúde pública incluíram a questão na agência da conferência internacional sobre aids que está acontecendo esta semana no México - com a presença de 25 mil médicos, pesquisadores, profissionais de saúde, ativistas comunitários e jornalistas. Os delegados serão convidados a levar com eles na viagem de volta um compromisso proposto pela conferência: uma resolução de combater leis e perseguição irracionais. Os delegados vindos de países que adotaram leis que tomam por alvo pessoas infectadas com o vírus da Aids serão convidados a promover campanhas pela revogação das leis. Organizações internacionais e países doadores serão convidados a se opor fortemente - e a suspender o financiamento a - iniciativas de criminalização. A prevenção do HIV não só um desafio técnico de saúde pública, mas um desafio a toda humanidade pela criação de um mundo no qual comportamento seguro é viável para ambos os parceiros sexuais. A criminalização faz o oposto. É uma política severa, punitiva e comprovadamente ineficaz para combater uma epidemia que vem respondendo consistentemente melhor a intervenções que cuidam das pessoas e as apóiam para que façam o melhor por sua saúde.
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