Um catálogo quase completo de variações genéticas humanas poderia ser disponibilizado até o fim de 2009, graças ao grande projeto de seqüenciamento do genoma que inclui parceiros acadêmicos e industriais ao redor do mundo.
Ao anunciar a conclusão da fase piloto do projeto 1000 Genomes, o co-chefe David Altshuler disse recentemente que já foram catalogadas 3,8 trilhões de bases de seqüências - aproximadamente mil vezes o número encontrado em um genoma humano. Em discurso no encontro anual da Sociedade Americana de Genética Humana na Filadélfia, Pensilvânia, Altshuler afirmou que os dados deverão ser depositados no GenBank, banco de seqüências genéticas dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, dentro dos próximos dois meses. Mas isso é apenas cerca de um décimo dos dados totais que o projeto almeja coletar até sua conclusão.
"Uma coisa na qual somos bons é ter objetivos ambiciosos," disse Alan Guttmacher, diretor interino do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano dos EUA (NHGRI, na sigla em inglês), uma das organizações que financiam o projeto, cujo custo final poderá chegar a US$ 50 milhões.
Variações de um mesmo tema
A iniciativa de seqüenciamento vem diretamente dos esforços iniciados nos anos 1990 para seqüenciar o genoma humano. Logo após o anúncio do primeiro esboço do genoma em 2000, surgiu uma iniciativa para mapear todas as variações genéticas comuns entre as pessoas.
Esse esforço, conhecido como projeto internacional HapMap, produziu um guia de referência para centenas de milhões de diferenças genéticas entre as pessoas, que poderia ser usado para comparar genomas com rapidez sem ter que seqüenciá-los diretamente. Versões desse mapeamento foram usadas em estudos do genoma nos últimos anos com o intuito de encontrar variantes genéticas associadas a doenças comuns e apontar maneiras de prever ou até mesmo tratar essas doenças.
Mas o HapMap detalha apenas as variantes genéticas mais comuns - aquelas que ocorrem em mais de 1 em cada 20 pessoas - e contém pouca informação sobre raros casos de polimorfismo mononucleotídeo (SNP na sigla em inglês) ou das chamadas variantes estruturais, como a supressão de grandes blocos ou a duplicação de seqüências de genes, o que parece ser importante em algumas doenças.
É aqui que entra o projeto 1000 Genomes, diz Altshuler, que também é professor de genética e medicina na Escola de Medicina de Harvard, em Boston, Massachusetts. "O seqüenciamento da próxima geração torna possível o exame de uma parte diferente do espectro alelo," ele disse.
Através do seqüenciamento total de 1,2 mil pessoas de vários grupos étnicos ao redor do mundo e da análise de trios de pais e filhos, junto a dados de outros projetos de seqüenciamento, o 1000 Genomes espera encontrar variações genéticas mais raras - ou seja, aquelas ocorridas em menos de 5% e mais de 1% das pessoas e outras ocorridas com freqüência ainda menor.
O trabalho de comparação de pais e filhos poderia ajudar cientistas a fazer melhores estimativas da taxa de mutação individual de geração para geração. "Conseguiremos uma visão da variação genética humana sem precedentes," diz Richard Durbin do Instituto Wellcome Trust Sanger de Cambridge, Reino Unido, e co-chefe do 1000 Genomes.
Lado Pessoal
O projeto 1000 Genomes não conterá informações demográficas ou médicas detalhadas sobre as pessoas seqüenciadas, para que esses dados possam ser compartilhados sem a necessidade de procedimentos de consentimento complicados. Enquanto isso, outro grande esforço de seqüenciamento - o projeto Personal Genome, liderado por George Church, da Escola de Medicina de Harvard - almeja fornecer seqüências inteiras com informações médicas e pessoais de até 100 mil pessoas.
Embora seus objetivos sejam menos centrados no descobrimento de variações, o projeto Personal Genome, junto ao 1000 Genomes e outros projetos de variação genética, irá aumentar significantemente o número de dados de DNA disponíveis para análise.
A fase piloto do projeto 1000 Genomes, que seqüenciou mais de 180 indivíduos, identificou 4 milhões de SNPs, 22% aparentemente já descobertos antes. Esses dados serão divulgados em dezembro e janeiro e divulgações trimestrais ocorrerão ao longo de 2009 até a conclusão da fase de coleta de dados no final do ano que vem.
Os dados a serem coletados, que alguns estimam chegar quase a níveis de peta bytes, apresentam desafios significativos de armazenagem e acessibilidade, bem como de análise e usabilidade, diz David Haussler, que lidera o grupo de bioinformática do genoma da Universidade da Califórnia, Santa Cruz. Para suprir tais necessidades, o NHGRI anunciou neste mês que disponibilizará US$ 14 milhões durante os próximos dois anos para o manuseio e análise de dados do projeto.
À procura da 'matéria escura'
Com a conclusão de um catálogo aprimorado de variações, este poderia ser utilizado para potencializar a próxima geração de estudos de associação do genoma, com o intuito de melhor entender doenças e possivelmente descobrir a chamada heritabilidade ausente - marcadores genéticos de traços ou doenças que os estudos de associação atuais foram incapazes de encontrar.
Essas variantes genéticas ausentes foram chamadas de 'matéria escura' do genoma. Mas alguns acreditam que as variantes raras que o projeto 1000 Genomes almeja descobrir podem não fornecer informações úteis sobre doenças.
"O 1000 Genomes será imensamente útil ao desenvolvimento da tecnologia de geração e análise de dados seqüenciais," disse David Goldstein da Universidade de Duke, em Durham, Carolina do Norte, acrescentando "mas em temos de um catálogo das variantes mais importantes à biologia e doenças humanas, sua relevância é muito menos evidente." Goldstein defende o seqüenciamento de pessoas que apresentam casos extremos de doenças para uma melhor compreensão dos caminhos comuns de enfermidades.
Altshuler discorda de Goldstein, mas também é cauteloso. "Nenhum de nós imagina que explicaremos 100% da herança de doenças ao final de tudo, nem que haverá medicamentos clínicos imediatamente."
Geneticistas, no entanto, estão entusiasmados com o prospecto de explorar a matéria escura do DNA no período de um ano. "Não acredito que isso continuará sendo matéria escura por muito mais tempo," disse David Valle, geneticista clínico da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland. "Quando desvendarmos isso, acho que começaremos a ver uma biologia interessante."
(fonte *Terra)
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