sábado, 21 de junho de 2008

Garoto fica tetraplégico após erro em cirurgia de fimose e hérnia

Aos cinco anos, Ravy Silva corria pela casa, desenhava, andava de bicicleta e era um habilidoso projeto de craque de futebol, na descrição do pai, Francisco de Assis. "Tinha uma direita...!" Começaria as aulas de natação no ano seguinte. Hoje, aos oito e com 14 kg, Ravy não anda, não fala, alimenta-se por uma sonda na barriga e não movimenta os membros do corpo, atrofiado. Está tetraplégico e não vai à escola, desde uma malsucedida cirurgia de fimose e hérnia umbilical, em 24 de janeiro de 2006, no hospital municipal infantil Ismélia da Silveira, em Duque de Caxias (RJ). Um problema na anestesia provocou uma parada cardíaca em Ravy. Como conseqüência da falta de oxigenação no cérebro, ele ficou tetraplégico. O garoto passou quatro meses no hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. A Justiça determinou que a prefeitura da cidade --com um dos dez maiores PIBs entre municípios do Brasil-- "forneça o tratamento especializado e os meios necessários para sua assistência --como remédios, transporte ao local de tratamento e cadeira de rodas".Segundo o pai, que parou de trabalhar como vendedor desde o incidente, apenas três dos mais de dez remédios que Ravy usa diariamente são entregues, ainda assim de forma "irregular". Como a prefeitura não realiza o transporte, Francisco de Assis depende de carro emprestado para levar o filho aos diversos tipos de tratamento, em Caxias e no Rio.
Há quase cinco meses, a prefeitura emprestou uma cadeira de rodas para adultos. Sem equilíbrio, Ravy mal se sustenta na cadeira, grande demais. Precisa de um modelo especial, mais caro, com suportes para os pés e os braços. A família mora em Jardim América, subúrbio do Rio, próximo ao limite com Caxias. "Mutilaram uma criança. Destruíram minha família", disse Assis. "O juiz manda e não dá em nada? Será que é porque o menino não é rico? Ele tem direito a tratamento; não está fazendo tratamento."
Prefeitura
A Prefeitura de Caxias alega cumprir as determinações da Justiça e acusa Assis de ser um "pai complicado". Com mais dois filhos (Kalindy, 12, e Ramany, 10), Assis passou a viver com um salário mínimo, concedido após perícia do INSS, e passa o dia em função do filho --a mãe é separada e raramente vê o filho, cuja guarda ficou com o pai. Vira-se com doações de igrejas.
Por falta de transporte e de dinheiro para gasolina e pedágio, Ravy não pode fazer a maioria das atividades do extenso tratamento para melhorar a sua qualidade de vida. "Em Xerém, tem equoterapia, mas estou parado porque não tenho veículo: são R$ 13,60 só de pedágio, mais o combustível. A prefeitura nega veículo." Enquanto a reportagem conversava com o pai, Ravy observa. Por vezes chora e geme alto. "Acabou a voz. O som, para eu decifrar o que dói nele é pela experiência", explica Assis.
Outro lado
O secretário de Saúde de Duque de Caxias, Oscar Berro, afirmou à Folha que o município está cumprindo todas as decisões judiciais na área, inclusive as relativas a Ravy Silva.
Berro afirmou que Francisco de Assis é um "pai complicado" e "borderline" (pessoa com distúrbio de personalidade caracterizado por alterações de humor e ira descontrolada). "Ele pode querer que o filho faça as terapias, mas a Justiça precisa ordenar isso", disse o secretário.
A determinação da Justiça é genérica, obrigando o município a fornecer "tratamento especializado" e "todos os meios necessários para a sua plena assistência". O secretário da Saúde afirmou que "esse indivíduo [Ravy] teve um problema de anestesia" durante a cirurgia. Berro afirmou que "foi explicado à família que havia o risco, porque depende do tipo de patologia da criança".Assis disse que o menino era saudável. "Isso é o que a família diz", contestou o secretário.

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